V CICSE

V Colóquio Internacional de Ciências Sociais da Educação

Eu vim de longe… eu vou p’ra longe* – 50 anos de educação em democracia


A Educação, enquanto direito humano fundamental, tem uma função central na promoção e consolidação da democratização social e política, da cidadania inclusiva, no desenvolvimento de novos tipos de organização social e de exercício do poder.

50 anos de educação em democracia é, para Portugal (embora tenha consequências mais amplas a nível internacional), um marco muito relevante na sua história política, social e educacional. Esta relevância será certamente objeto de múltiplas celebrações por todo o país (e não só), inserindo-se este Colóquio nesse movimento celebrativo como um momento de profunda reflexão sobre o caminho percorrido e a percorrer no campo da educação.

Em Portugal, os 50 anos de educação em democracia caraterizam-se pela construção de uma escola de massas, obrigatória e gratuita a partir do 1.º ciclo (desde 2009 alargada até ao ensino secundário, isto é, de doze anos), que desde muito cedo assumiu a pretensão de ser universal e inclusiva, ocupando um lugar importante no processo de desenvolvimento que o país tem vivido desde então.

O sistema educativo português edificado a partir da revolução de abril começou por ser muito marcado pelo que ficou conhecido na literatura educacional como Reforma Veiga Simão (datada de 1973), articulada com as tendências políticas revolucionárias que consideravam a educação como fator fundamental da construção de uma sociedade sem classes e, já na década de 80, com as perspetivas de modernização introduzidas no país pela Reforma Educativa de Roberto Carneiro na esteira da Lei de Bases publicada em 1986 e do processo de adesão à então CEE.

Os mandatos que têm vindo a ser outorgados à escola pública desde a sua emergência como instituição são, como sabemos, marcados pelos contextos nacionais e transnacionais que quisermos considerar. A sua contribuição para a construção e consolidação da democracia constitui um dos ‘mandatos’ que lhe têm vindo a atribuir, sendo relevante analisar qual a sua capacidade para realizar essa tarefa ciclópica, sobretudo em contextos sociais profundamente marcados por diferenças e desigualdades muito profundas. Os mandatos da escola pública portuguesa vão-se, assim, transformando ao longo das 5 décadas em análise, procurando adaptar-se às profundas mudanças sociais, culturais, económicas e políticas ocorridas nesse período.

Passados 50 anos, questionamos o alcance desta escola de massas, num contexto onde os desafios são significativos. A confusão que frequentemente se estabelece entre democracia e meritocracia marca o modo como a educação tem vindo a evoluir e, por consequência, o seu papel nas sociedades que fomos capazes de construir ao longo da modernidade.

As oportunidades criadas às crianças, jovens e adultos com a expansão da educação de infância, o alargamento da educação básica para todos, rapazes e raparigas, a abertura a áreas até recentemente muito elitizadas, como é o ensino especializado em artes, a abertura e apoios para o acesso ao ensino superior, a educação e formação de adultos, a valorização da educação não formal e informal, com destaque para os contextos laborais, a profissionalização dos professores, são alguns dos marcos visíveis do caminho percorrido e que merece ser refletido e projetado.

A missão que muitos têm vindo a atribuir à educação pública de assegurar práticas educativas emancipatórias e cidadãs, orientadas para a diminuição das desigualdades e das diferenças, em função de género, de classe, de etnia, de idade, entre outras, tal como as teorias e pedagogias críticas têm vindo a propor, está muito longe de ser cumprida. Pelo contrário, a função de legitimação das referidas desigualdades sociais, transformadas assim em desigualdades escolares, parece ser aquela que possui mais visibilidade.

O V CICSE pretende assegurar um espaço de diálogo crítico em torno destes desafios. Importa discutir os investimentos e desafios para a promoção do “D” de desenvolvimento em articulação com os outros 2 “D” (democratizar e descolonizar), nomeadamente, ao convocar reflexões, por um lado, relacionadas com a interpelação da posição da escola face aos movimentos e inovação pedagógica, fundamentais para sustentar processos educativos democráticos, bem como com os modos como têm vindo a ser acautelados espaços de educação permanente, indispensáveis para esta missão. Pretende-se, também, a propósito de um terceiro “D” (descolonizar), promover uma reflexão crítica acerca da democratização política ocorrida em Portugal, Espanha e Brasil, durante o período em análise e o lugar que a educação assumiu e se pretende projetar em tais processos, sem esquecer a sua particular relevância nos movimentos de edificação e desenvolvimento dos sistemas educativos dos países de expressão lusófona saídos do processo de descolonização.

Este caminho, com já 50 anos, que veio “de longe, muito longe” irá “p’ra longe”, seguramente, sustentado num debate crítico indispensável sobre democracia, desigualdades, diferenças, descolonização e desenvolvimento, mediado pelas diferentes perspetivas emergentes no vasto campo da educação.


* José Mário Branco

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